segunda-feira, 9 de abril de 2012

HISTÓRIA DE NEGRO - UBIRATAN DE CASTRO ARAUJO


Vocabulário de origem africana presentes em  “HISTÓRIA DE NEGRO” – comumente usados aqui na região.

Afogar o ganso – copular.
Alevante – expressão popular de levante... quando alguém encarava o superior de frente, era um ato de rebeldia.
Banho de folha – banho de purificação com folhas e ervas cozidas, que integra os rituais de Candomblé.
Bater boca – discutir em voz alta, de maneira vulgar.
Bater um prato – comer muito e com avidez
Boçal – africano que não falava português, em oposição a ladino escravo que falava português.
Brama – nome genérico de cerveja.
Brega – zona de prostituição.
Busu – ônibus.
Caburé – vasilha de barro para café... aqui na região usa para designar melancia e menino pequeno.
Caçuá – grande cestos de cipó colocados um de cada lado de uma animal, jegue ou burro.
Cacunda – cangote, corcunda.
Caxias – sujeito cumpridor de todos os regulamentos; pessoa obsessivamente cumpridora de seus deveres.
Chibungagem – ação de chibungo.
Chibungo – corruptela de quibungo. Por extensão, pedófilo.
Crioulo – negro nascido no Brasil.
Em águas – embriagado
Gaitadas – risada gaiata, de deboche.
Mangar – ridicularizar.
Mexer os pauzinhos – fazer um pedido a políticos.
Mungunzá – mingau de milho branco, com leite de coco, também chamado de canjica no sul do país.
Na marra – à força, de qualquer jeito.
Ordenança – tropa de polícia que fazia o recrutamento.
Parente – tratamento usual que os africanos dispensavam entre si, substituindo o pronome da 1ª e 3ª pessoa do singular.
Passar o vento – derrame cerebral.
Peixeira – grande faca de ponta usada pelos peixeiros.
Quilombos – aldeias resistentes de negros que fugiam dos locais de cativeiro.
Quisila – interdição alimentar. Expressão do Candomblé.
Roscof – marca de um antigo relógio de bolso, relógio velho, ordinário.
Saculejar – sacudir.
Urubuservar - - observar de longe

sábado, 24 de março de 2012

ANÁLISE DOS FENÔMENOS E VARIAÇÕES DA LÍNGUA PORTUGUESA

FABIANA DIAS
MAGALI SANTANA
MAURO JAKES
TACIANE  PEREIRA

Resumo:
Esse trabalho tem por objetivo analisar as variações e os fenômenos que vem acontecendo com a língua portuguesa no decorrer dos tempos, buscando entender como e porque surgem esses fenômenos, mais visíveis na oralidade. Tendo como objeto de estudo o poema: “Cante lá que eu canto cá” de Patativa do Assaré, com o intuito de refletir sobre o uso de diversas palavras constantes no poema, neste sentido busca-se respeitar a variedade lingüística que caracteriza a comunidade dos falantes da Língua Portuguesa.

Introdução:
     A vinda da língua portuguesa para o Brasil não se deu em um só momento. Ela aconteceu durante todo o período de colonização. Desse modo, o português estabeleceu uma relação constante com outras línguas (imigrantes holandeses, italianos, espanhóis, alemães, etc.), esse contato fez com que a língua portuguesa falada no Brasil se diferenciasse da língua portuguesa de Portugal e de outros países que falam o português
     Contextualização sócio-linguístico do poema: “Cante lá que eu canto cá”
     A linguagem impregnada no poema denuncia a condição do autor como herdeiro da tradição nordestina.     O primeiro elemento determinante da oralidade da obra é o emprego de uma língua falada, que retoma ao estilo e a pronúncia popular, “a linguagem sertaneja”. O registro de língua utilizado, a alteração das palavras, o vocabulário regional dão a este poema toda a originalidade da língua do interior das terras do sertão.
     A produção da literatura de cordel está focada principalmente na região Nordeste, mas nas últimas décadas observou-se que na região Sudeste – nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro – firmou-se também como pólo dessa produção, este fato se deve às migrações dos nordestinos para essa região.

Análise do poema:

Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma boa paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhece bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele mora,
Te armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vive pobre, sem dinhêro,
Trabaiando o dia intero,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

      As palavras acima grifadas se enquadram num fenômeno chamado de Processo de assimilação, isto é, transformação de LH em I, a variedade Português não-padrão explica: nesta variedade não existe este som consonantal. (A Língua de Eulália, p. 56).
     O som do LH é produzido com a ponta da língua tocando o palato (céu da boca), muito perto do ponto onde é produzida a semivogal /y/ (símbolo usado para representar a letra i) – esta proximidade, e a comodidade de pronunciar o “i”, levaram à transformação. (A Língua de Eulália, p. 59).
Para explicar esse fenômeno, busca-se a semelhança do PNP com a língua falada no francês padrão:

PP                          Francês padrão                                                     PNP
Trabalhar                travailler(tavayê)                                                   trabaiá


Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.



Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.


     Neste caso, percebe-se uma redução do ditongo EI em E, este fenômeno é chamado de monotongação, (dois sons transformados em um) isso acontece quando o ditongo EI aparece diante das consoantes J, X e R, pois o som dessas e da semivogal i são palatais, esses sons se juntam, transformando num único som: IJ em J. ( A Língua de Eulália, p.91-92). Semivogal também chamada de semiconsoante (só são produzidas se estiverem apoiadas em outra vogal)
     Esse fenômeno tem uma explicação baseada na história da língua, no processo de transformação do Latim para o português: Iésus – Jesus (A Língua de Eulália, p. 90)

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.
     Diante dos versos acima grifados, percebemos uma incoerência nas marcas de plural, o PNP tem a seguinte explicação: A sua regra de Plural é a seguinte: “marcar apenas uma só palavra para indicar um número de coisas maior que um”, e esta regra é rigidamente obedecida, neste caso não há marcas redundantes de plural, diferente do que acontece no PP: O PNP é mais sóbrio, mais econômico, mais modesto, menos vaidoso. (A Língua de Eulália .50/51)
      Neste fenômeno (eliminação das marcas de plural redundantes) percebemos a semelhança e a influência das línguas estrangeiras mais ensinadas nas escolas: o inglês e o francês:
     Ex: My beautiful yellow flowers died yesterday. (A Língua de Eulália p.53)

Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.
         Nas palavras grifadas temos um fenômeno chamado de Processo de rotacização do L em R.
     No quadro abaixo podemos fazer uma comparação e a partir daí, entendermos como se deu esse fenômeno, através da influência e miscigenação das línguas estrangeiras à nossa Língua portuguesa:

LATIM             FRANCÊS                             ESPANHOL                       PORTUGUÊS
Ecclesia                 Église                                    Iglesia                                     Igreja
Plaga                     plage                                     playa                                        praia

Conclusão:
     Esse estudo nos proporcionou um conhecimento mais apurado da Língua Portuguesa, desta forma, entendemos que existe uma explicação para todo processo de variação, neste contexto, é possível lidar de maneira natural diante de tais fenômenos bem como fugir do preconceito linguístico que muito impera em nossa sociedade.
     È notório um grau de semelhança entre o PNP e o PP, permitindo que um falante escolarizado do Rio Grande do Sul possa se comunicar com um morador analfabeto das palafitas do Amazonas... (A Língua de Eulália, p. 20)
     No Brasil não se fala uma só língua. Existem mais de duzentas línguas ainda faladas em diversos pontos do país pelos sobreviventes das antigas nações indígenas. Além disso, muitas comunidades de imigrantes estrangeiras mantêm viva a língua de seus ancestrais: coreanos, japoneses, alemães, italianos, etc. (A Língua de Eulália p.18)

REFERÊNCIAS:

  •  BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália: novela sociolinguística/14. ed. – São Paulo: Contexto, 2005.
  •  ______________.Preconceito Linguístico/52. ed – São Paulo: Edições Loyola, 1999.
  •  LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade/3. ed. – São Paulo: Ática, 1994.

Estudo sobre o Romantismo, tomando como base dois livros didáticos.

Por: Magali Santana

Este trabalho propõe um estudo sobre o Romantismo, tomando como base dois livros didáticos, a saber: Língua e Literatura (Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura) e Português: linguagens (William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães) com o objetivo de pontuar semelhanças e/ou diferenças no modo como os dois autores abordam o tema.

    O Romantismo é a expressão artística de um pensamento que coloca no centro de sua visão de mundo o indivíduo. São os valores e a perspectiva do eu as principais balizas para se dar sentido ao mundo e para expressá-lo nas artes. Na perspectiva de ampliar as possibilidades do futuro e redignificar a sociedade brasileira, os escritores da época, inspirados pelos ideais liberais do Romantismo, buscam na literatura uma forma de superar a fase colonial, valorizando traços do caráter nacional. A abordagem inicial sobre o Romantismo é semelhante entre os autores dos livros em análise – Português: linguagens e Língua e Literatura.
    A independência política, ocorrida em 1822, despertou na consciência de intelectuais e artistas nacionais a necessidade de criar uma cultura brasileira identificada com suas próprias raízes históricas, linguísticas e culturais.
    O Romantismo, além de seu significado primeiro – o de ser uma reação à tradição clássica - assumiu em nossa literatura a conotação de movimentos anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial, em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais portugueses. (in: Português: linguagens); neste contexto, o autor do livro Língua e Literatura, reforça essa ideia, através de um comentário do crítico Antônio Candido, que: “a Independência importa de maneira decisiva no desenvolvimento da ideia romântica, para a qual contribuiu pelo menos com três elementos que se podem considerar como redefinição de posições análogas ao Arcadismo: a) o desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos, agora reputados do primeiro plano, como o orgulho patriótico, extensão do antigo nativismo; b) desejo de criar uma literatura independente, diversa, não apenas uma colonial, o nacionalismo literário e a busca de modelos novos, nem clássicos nem portugueses, davam um sentimento de libertação relativamente à mãe-pátria; finalmente; c) a noção... de atividade intelectual não mais apenas como prova de valor do brasileiro e esclarecimento mental do país, mas uma tarefa patriótica na construção nacional”.
    Portanto, ambos consideram o nacionalismo como um traço essencial de nosso Romantismo, que, orientando o movimento, lhe abriu um rico leque de possibilidades a serem exploradas. Entre elas se destacam o indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, folclórica e linguística, além da crítica aos problemas nacionais – todas as posturas comprometidas com o projeto de construção de uma identidade nacional.
    Como marco inicial do Romantismo no Brasil, os autores dos livros didáticos em análise, fazem referência semelhantes, destacando a publicação da obra: Suspiros poéticos e saudade (1836), de Gonçalves de Magalhães, abordagem apenas superficial, de citação, não encontra em nenhum dos dois livros algum trecho da poesia sinalizada, no entanto, é notório verificar a ênfase que ambos fazem a Gonçalves Dias, tomando-o como o escritor quem implantou e solidificou a poesia romântica em nossa literatura, considerando a sua obra como a realização de um verdadeiro projeto de construção da cultura brasileira.
    No livro Português: linguagens, o seu autor aponta três gerações de escritores românticos, (primeira geração, segunda geração e terceira geração), destacando as características de cada uma delas e seus respectivos autores, não incluindo aqui os romancistas, notificando que suas obras podem apresentar traços característicos de mais de uma geração.
    Primeira geração: nacionalista, indianista e religiosa. Nela se destaca os poetas Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães, Segunda geração: marcada pelo “mal do século”, apresenta egocentrismo exacerbado, pessimista, satanismo e atração pela morte - (Ultra-Romantismo), grifos meus. Principais representantes são os poetas Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire, Terceira geração: formada pelo grupo condoreiro, desenvolve uma poesia de cunho político e social. A maior expressão desse grupo é Castro Alves. No tocante a essa classificação, o autor de Língua e Literatura não a faz, é menos detalhista, em seguida percebe a semelhança quando ambos classificam os escritores de acordo os gêneros, mudam o nome do gênero mais percebe o mesmo significado. Apresentação conforme os autores o fizeram; quanto ao gênero, considere a ordem: Língua e Literatura - Português: linguagens: Poesia/lírica: Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e Joaquim de Souza Andrade (Sousândrade). Prosa/romance: Joaquim Manoel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora. Teatro/teatro: Martins Pena, José de Alencar, Gonçalves Dias (três autores destacados nos dois livros), o autor de Português: linguagem destaca ainda Gonçalves de Magalhães e Álvares de Azevedo no gênero teatro, faz uma referência também ao autor Álvares de Azevedo (no conto) e Gonçalves Dias e Castro Alves (na épica).
     Enquanto às possibilidades de representação do nacionalismo literário, em primeiro momento: o indianismo - verifica-se por parte dos autores, o destaque a Gonçalves Dias (no poema: I – Juca Pirama) e José de Alencar (no romance: O Guarani). Na apresentação de “I – Juca Pirama”, e do “O Guarani”, ambos fazem uma análise da história narrada no poema e no romance, levantando os elementos de manifestação nacionalista, ao sinalizar expressões reveladoras de exaltação à natureza e cor local, o índio visto como o “bom selvagem” (onde ambos os autores fazem relação com as ideias do pensador iluminista e pré-romântico Jean-Jacques Rousseau – partindo do princípio que o homem é originalmente puro), o índio visto como representante do passado histórico nacional e herói da nossa gente, símbolo de nacionalidade, realçando sua bravura e coragem num cenário totalmente idealizado. Nessa busca das raízes da nossa nacionalidade, os livros didáticos em análise referem à figura do negro de maneira semelhante: o negro, por sua vez não podia ser tomado como assunto e muito menos como herói, (...) porque representava a última camada social, aquela que só podia oferecer o trabalho e para isso era até compelida. Seria, portanto, um contra-senso econômico e social elevá-lo à condição de herói, uma vez que muitos dos escritores e leitores da época faziam parte da classe dominante e compactuavam com o regime escravocrata. E quanto ao branco, este não poderia ser o herói nacional naquele momento, pois, em razão de estar identificado com o colonizador português, isso entraria em choque com o sentimento nacionalista e antilusitano que surgiu após a independência.
    Em segundo momento: o regionalismo – encontramos nos dois livros referências sucintas de algumas obras de José de Alencar: (Tronco do Ipê, Til, O Gaúcho e o Sertanejo), vale ressaltar que no livro Língua e Literatura, o autor pontua através de um trecho destacado por Alencar, a fim de revelar a fonte de inspiração para esses romances citados “... onde não se propaga com rapidez a luz da civilização, que de repente cambaia a cor local, encontra-se ainda em sua pureza original, sem mescla, esse viver singelo de nossos pais, tradições, costumes e linguagens, com um sainete todo brasileiro. Há não somente no país, como nas grandes cidades, até mesmo na corte, desses recantos, que guardam intacto, ou quase, o passado”.
     No entanto, percebe nos dois livros a importância dada à obra Inocência – de Visconde de Taunay, sendo considerada a obra-prima do romance regionalista de nosso Romantismo. A qualidade da obra resulta no equilíbrio alcançado na contraposição entre vários aspectos: ficção e realidade, valores românticos e valores da realidade bruta do sertão, linguagem culta e linguagem regional, haja vista que o escritor, como militar, realizou pelo país, principalmente pela região de Mato Grosso, colhendo experiências para compor suas obras, desta forma, correspondendo a uma característica do Romantismo que era a pesquisa linguística.
     Como já relatei acima que o autor do livro: Português: Linguagens é mais detalhista, nota-se como ele aprofunda nas questões da Segunda geração do Romantismo, ao discorrer sobre e como se deu a origem da poesia romântica brasileira conhecida como Ultra-Romantismo, pontuando as características: “... essa geração caracterizava-se pelo espírito do mal do século, uma onda de pessimismo doentio que se traduzia no apego a certos valores decadentes, como a bebida e o vício, na atração pela noite e pela morte”.
    Ao destacar o principal poeta desse grupo, os dois livros fazem a mesma referência a Álvares de Azevedo, na análise da poesia “Lembrança de Morrer”, destacando pontos de melancolia, tristeza, sonho e fantasia, acrescidos de traços macabros e satânicos.
    É interessante destacar que no livro Língua e literatura, o autor traz muitas citações de críticos literários como: Antônio Cândido (ao relatar o desejo por parte dos autores da época em criar uma literatura independente), Dante Moreira Leite (o indianismo tinha conteúdo ideológico: “o índio foi, no Romantismo, uma imagem do passado e, portanto, não apresentava qualquer ameaça à ordem vigente, sobretudo escravocrata), Brito Broca, dentre outros, fator curioso é que o autor traz a biografia de maneira bem detalhada de todos os autores estudados, desta forma, o leitor é levado a conhecer um pouco mais sobre nossos autores brasileiros, enquanto a abordagem das obras, ambos destacam os trechos mais importantes e pertinentes à abordagem temática culminando em discussões, análise de poemas, poesias e trechos dos romances apresentados, atividades para a reflexão do leitor, textos complementares.
    Diante do exposto, nota-se mais semelhança que diferença entre os dois autores ao abordarem o Romantismo, priorizam os mesmos autores e obras, divergem apenas no aprofundamento e detalhe de algumas questões.


Referências bibliográficas:

CEREJA, William Roberto/Thereza Cochar Magalhães – Português: linguagens: volume único, ensino médio, 1ª. ed. São Paulo: Atual, 2003.

FARACO, Carlos Emílio/Francisco Marto de Moura – Língua e Literatura: volume 2, segundo grau, 2ª. ed. Ática, São Paulo, 1983.
UNEB - UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DCHT - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS
CAMPUS XVI – IRECÊ.


Fabiana Dias
Magali Santana
Mauro Jakes
Milton Cardoso
Sônia Marlene
Taciane Santos

Robério Pereira Barreto


Memória Discursiva e Ideológica do Projeto Baixio de Irecê

RESUMO
O presente artigo discorre sobre a memória discursiva e ideológica do Projeto Baixio de Irecê-Ba. Analisa a realidade de famílias impactadas pelo citado projeto através de uma pesquisa, ainda em andamento realizada pela equipe da Comissão Pastoral da Terra, com a colaboração do grupo de estudo do 4º semestre de letras. Nela descobriu-se a fragilidade das organizações daqueles trabalhadores e o impacto que um projeto de tamanha grandeza fará às suas vidas, ameaçando sua cultura, à agricultura, o meio ambiente e até mesmo a própria existência daquelas pessoas, uma vez que haverá utilização indiscriminada de agrotóxicos. Observa-se no estudo o discurso de quem detém o poder e dos que ocupam cargos estatais para desenvolver o projeto de forma que a sociedade perceba apenas pontos positivos, utilizando a lógica do marketing, do crescimento e desenvolvimento econômico do país.



Palavras-chave: Poder, Estado, discurso, comunidade, família, desenvolvimento, direito.


INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva fazer uma análise da memória discursiva e ideológica do Projeto Baixio de Irecê-Ba, relatando a realidade das comunidades camponesas que estão próximas ao referido empreendimento por meio da interpretação dos relatórios da Comissão Pastoral da Terra - CPT.
Esta atividade tem como referenciação os pressupostos da Análise do Discurso, uma vez que, através deles tem-se a possibilidade de trabalhar-se o pensamento e as ideologias de cada um dos entes discursivos. Para isso, temo-nos ancorado em Foucault (2000), Maingueneau (2009), Bobbio e Chauí, os quais demonstram que a memória discursiva e ideológica corrobora com a afirmação de um estado de poder que, neste caso, é o discurso do estado no sentido de garantir o desenvolvimento regional através da criação de empregos e renda. Entretanto, o discurso da comunidade aponta distorções significativas, como perceberemos mais adiante.
Mediante estes apontamentos teve-se como abordagem metodológica a observação participante. Tal escolha ocorreu em virtude de nossa participação efetiva na comunidade por meio de reunião da Comissão Pastoral da Terra com os sujeitos da pesquisa ora em andamento.
Ao relatar as experiências vividas pelos camponeses, foi possível entender que os trabalhadores não estão em condição de compreender os danos dos grandes projetos do agronegócio, porque ainda estão com a visão reduzida ao assistencialismo histórico dos governos, da troca de favores e da espera por soluções externas. Falta-lhes politização.
O presente trabalho poderá contribuir com discussões e reflexões de estudantes, professores e dos próprios camponeses, na perspectiva de compreender a lógica discursiva de determinados projetos, assim como o projeto Baixio de Irecê, que se apresenta como forma de desenvolvimento e inclusão, mas que na verdade atenderá apenas a interesses de uma minoria que detém o poder econômico.

CONTEXTO
O Projeto Baixio de Irecê é uma proposta antiga, discutido por autoridades da região, do Estado e da Federação sem a participação das famílias camponesas das comunidades próximas à instalação do projeto. No entanto, no programa do Governo Federal é incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), orçado em 880 milhões, com a finalidade de favorecer fortemente a produção do agro-combustível, pretendendo construir 84 km de canal, sendo que deste já foi construído até o final de 2010, 42 km; retirando água do Rio São Francisco para irrigar uma área de mais de 50 mil hectares.
Pretende-se produzir cana-de-açúcar para produção de etanol e outras culturas como: banana, frutas tropicais, como: maracujá, acerola, caju e abacaxi, uvas de mesa para produção de vinhos visando à exportação.
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF, afirma que será o maior projeto de irrigação do País e serão criados cerca de 180 mil empregos diretos e indiretos. A intenção do Governo Federal é atrair o capital estrangeiro através das multinacionais, dentre elas: a estatal Líbia Lafico – Li-byan Arab Foreign Investimentos, Banco Mundial (BIRD). Consórcio PEM-PAMPULHA, Parcerias Públicas Privadas (PPP’s); há, também, empresas nacionais interessadas, como: Banco Santander, FNP, ODEBRECHT, Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio Verde – CODEVERDE.
No entorno do Projeto Baixio de Irecê, existe aproximadamente 23 comunidades, destas 18 já estão sendo atingidas diretamente e 05 indiretamente, algumas com características quilombolas (remanescentes de quilombos), tradicionais e boa parte ribeirinhas do rio Verde e São Francisco. A maioria delas são comunidades pequenas, porém existem algumas consideradas grandes. Estão localizadas nos municípios de Xique-Xique e Itaguacú da Bahia, muitas já existe há mais de cem anos, as de menos tempo de existência são as comunidades que foram povoadas por famílias expulsas pela Barragem de Sobradinho. Estima-se um total de 800 famílias.



O número de famílias que serão impactadas com o projeto Baixio de Irecê é significativo em se tratando de quantitativo. Observa-se que a família que foi historicamente utilizada como base de sustentação e modelo para o Estado, quando não responde aos interesses do capital é ameaçada e desconsiderada pelo Estado para que a economia prevaleça em evidência, dando sustentação ao poder estabelecido, segundo Foucault:
De modelo, a família vai tornar-se instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da população e não modelo quimérico para o nível de instrumentalização me parece absolutamente fundamental, (2008, p.289)


Assim sendo, a mesma família que é base e sustentação do modelo ideológico, torna-se ameaça ao governo quando se apresenta como empecilho na implementação de uma obra gigantesca como o Projeto Baixio de Irecê.
Muitos destes camponeses são sobreviventes e remanescentes da grilagem (na década de 1980) , que houve em algumas comunidades dos Municípios de Itaguacú da Bahia, Xique-Xique e Jussara e da expulsão provocada pelo processo de construção da barragem de Sobradinho, também nesta década.
No momento são cultivados pelos pequenos agricultores em suas áreas: feijão, mamona, sorgo, milho, gergelim, melancia, abóbora, criam bovinos, caprinos, suínos e aves, além do cultivo destes produtos, sobrevivem também da pesca no rio São Francisco. Produzem o seu sustento em harmonia com o ecossistema, e, uma ação de despejo ou mesmo a permanência nas condições que o agronegócio produz será um impacto irreparável na vida destas pessoas.

O QUE DIZEM OS INTREVISTADOS.

Nesta parte vamos apresentar e discorrer sobre as categorias centrais desta análise: Memória, Ideologia e Poder.
De acordo com Foucault (2000) o poder constitui-se a partir do instante em que o sujeito realiza sua prática discursiva e como tal reage às provocações do meio e das instancias discursivas que as promove.

Compreende-se, que o interesse das empresas e fazendeiros pelas áreas de terras onde muitas famílias camponesas viviam da criação de animais e da produção agrícola, desencadeou-se na década de 1980 um processo de grilagem, com a finalidade de construir o Projeto Baixio de Irecê. Expulsaram famílias de suas comunidades, queimando suas casas, ferindo trabalhadores, provocando terror e medo, conforme Caderno de Conflitos da CPT e Jornal Cultura e Realidade:
Várias famílias de posseiros da localidade de Sanharol nos arredores de Xique-Xique, Jussara e Central procuram o Pólo Sindical de Irecê para denunciar o terror propagado pelo grileiro Airton Moura, que já expulsou mais de 75 famílias... (Caderno de Conflitos, 1994, p.12)

(...) logo as terras passaram para a mão de grandes empresas, a exemplo da BAHEMA, ECONÔMICO AGRO-PASTORIL (BANCO ECONOMICO, COPENER e outras. (Jornal Cultura e Realidade, 1994)

Mediante entrevista com alguns moradores de várias comunidades, percebe-se que muitos ainda não esqueceram o conflito vivenciado com os grileiros na década de 1980, como assim relatou o Sr. Antonio de 80 anos, morador da Comunidade de Boa Vista - Município de Xique-Xique:
Fomos retirados das ilhas e da margem do São Francisco pela CHESF para a construção de Sobradinho, fomos para a Serra do Rumo, e quando estávamos produzindo e criando, fomos expulsos por pistoleiros que queimaram nossos barracos e roças, não deixaram nem os poleiros das galinhas, agora nós estamos aqui, e o que vai ser de nós?
Em nome do desenvolvimento e crescimento de qualquer região do país a imposição dos grandes projetos do agronegócio, funciona também como imposição de uma cultura única para todos, sem levar em consideração as experiências, a vida como um todo de um povo que há décadas conseguem sobreviver do seu jeito em suas comunidades. Para Chauí:
(...) o autoritarismo das elites se manifestaria na necessidade de dissimular a divisão, vindo abater-se contra a cultura do povo para anulá-la, absorvendo-a numa universalidade abstrata, sempre necessária à dominação em uma sociedade fundada na luta de classe. (2007, p. 50)

Com a mesma prática da exploração desde tempos remotos, se firmando na atualidade de forma disfarçada, por meio da propaganda enganosa de incluir os camponeses, eles acabam sendo explorados como mão de obra barata e expulsos de suas terras e comunidades para viverem nas periferias das grandes cidades. Afirma o Sr. João, morador da comunidade de Conceição:
Na época da grilagem mandaram um caminhão vir buscar todas as famílias pra receber cestas básicas na prefeitura em Xique-Xique, quando voltamos sem cestas e sem nada encontramos nossas casas queimadas e agora nos enganam com Bolsa Família e promessas de emprego pra dizer que o governo é bom.
Neste sentido, a implantação destes grandes projetos fortalece a relação do poder político que em todo seu processo histórico se constituiu na economia por meio das relações de produção, dominação de classe, exploração dos bens naturais para um determinado desenvolvimento que não inclui todas as pessoas como propagam. Neste caso, a relação de produções destes grandes projetos não tem levado em consideração a qualidade de vida das pessoas e sim a qualidade de vida dos que lucram por meio da dominação de classe. Este processo tem gerado exclusão e a desigualdade social que marcam profundamente a vida de populações ao longo da história, pois esta está se estruturando cada vez mais através da pobreza em vista do processo de desenvolvimento econômico. De acordo Foucault:
... o poder teria essencialmente como papel manter relações de produção e reproduzir uma dominação de classe que o desenvolvimento e uma modalidade própria da apropriação das forças produtivas tornaram possível. O poder político teria neste caso encontrado na economia sua razão de ser histórica. De modo geral em um caso temos um poder político que encontraria no procedimento de troca, na economia da circulação dos bens o seu modo formal e, no outro, o poder político teria na economia sua razão de ser histórica, o princípio de forma concreta e do seu funcionamento atual. (2008, p.174-175)
Nas comunidades que serão atingidas com a construção do projeto de irrigação, os camponeses não são tratados como quem tem direitos sociais garantidos por lei. São desrespeitados constantemente, pois segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra, estes camponeses não foram convidados para participar de audiências publicas ou discussões sobre a implantação deste projeto. Segundo a CODEVASF este empreendimento beneficiará 92 famílias , sendo que nestas comunidades há mais de 800 famílias.
A legislação brasileira de 1988 institucionalizou direitos sociais, ambientais, como também civis e políticos, que muitas vezes tem mais favorecido a negação do que a legitimação dos mesmos em favor da população. Neste sentido, a institucionalização do poder se baseia nas leis para validar o discurso ideológico de desenvolvimento, afirma Foucault:
(...) a teoria da soberania e a organização de um código jurídico nela centrado permitiram sobrepor aos mecanismos da disciplina um sistema de direito que ocultava seus procedimentos e técnicas de dominação, e garantia o exercício dos direitos soberanos de cada um através da soberania do Estado. Os sistemas-jurídicos – teoria ou códigos – permitiram uma democratização da soberania, através da constituição de um direito público articulado com a soberania coletiva, no exato momento em que esta democratização fixava-se profundamente, através dos mecanismos de coerção disciplinar. (2008, p.188 e 189)

Atualmente muitos camponeses que vivem naquelas comunidades sobrevivem da criação de animais e a maioria destes animais é criada na grande área de caatinga que pertence à CODEVERDE, onde os criadores pagam uma percentagem pela criação dos mesmos, como denuncia a carta intitulada “Desenvolvimento acelerado para poucos. Projeto de Irrigação Baixio de Irecê na Bacia do São Francisco expulsa pequenos agricultores”, assinada pelas dioceses de Barra, Irecê, Bom Jesus da Lapa, Barreiras e a Comissão Pastoral da Terra – BA:

Algumas comunidades às margens do rio Verde, como Conceição, São João e Muquém, dentre outras, para continuar a criar seus animais são obrigadas a pagar à CODEVERDE por ano uma cabeça de cabra a cada cinco animais criados e uma cabeça de bovino a cada oito animais criados. (Carta, 2008)


Com isso, muitos trabalhadores rurais, entre jovens e pais de famílias, são obrigados a migrar para outras regiões da Bahia, Oeste – Luis Eduardo Magalhães – e outros estados do país como São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, em busca de sobrevivência para suas famílias, trabalhando nas grandes irrigações e fazendas.
Proliferam os casos em que muitos estão sujeitos ao trabalho degradante e trabalho escravo, como aconteceu em 2010, em que 101 trabalhadores do Estado da Bahia foram libertados do regime de escravidão, entre estes 20 eram da região de Irecê, conforme nota do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2010, p.26.
Portanto, ao saírem, vão perdendo suas raízes camponesas, pois o mais provável é que vão viver em bolsões de pobreza nas grandes cidades ou mesmo em outras condições das quais não estão habituados, ou permanecendo sob a imposição das empresas que ali se instalarem, vão conviver com o trabalho degradante nas lavouras e ter contato direto e indireto com o agrotóxico utilizado nestas produções de larga escala.

OLHAR DOS PESQUISADORES


Como o Estado vai operacionalizar este desenvolvimento que possa incluir o restante das famílias que não serão incluídas na proposta do projeto? Uma vez que a lógica da produção destes grandes projetos do agronegócio não leva em consideração a produção diversificada e o modo de vida das famílias. Na carta denúncia intitulada “Desenvolvimento acelerado para poucos. Projeto de Irrigação Baixio de Irecê na Bacia do São Francisco expulsa pequenos agricultores”, assinada pelas dioceses de Barra, Irecê, Bom Jesus da Lapa, Barreiras e a Comissão Pastoral da Terra - BA, estas questões se fazem presentes
O que se pretende fazer com as 18 comunidades afetadas, que perfazem um total aproximado de 800 famílias e 5.000 pessoas, que já estão na insegurança, e não só quanto ao futuro? Este futuro é a mão-de-obra barata nas empresas agrícolas, a marginalidade econômica e social? Quais as compensações para os tamanhos impactos sociais, econômicos e ambientais? Quem responde? São as questões de sempre sobre o “nosso desenvolvimento”, que continua para poucos, a um alto preço para muitos. (Carta, 2008)

Na visita às comunidades, houve relatos de pessoas nas reuniões sobre as condições desumanas de trabalho vivenciadas pelos migrantes, bem como a falta de perspectivas da juventude, pois não se encontra motivada a dar continuidade à profissão de lavrador, motivo disto, seria as próprias dificuldades que o camponês enfrenta para sobreviver; outro fator é a diminuição constante das áreas de terra, devido ao aumento do número de membros da família para trabalhar na mesma área.
É notável que os camponeses na maioria destas comunidades estejam organizados em Associações Comunitárias, mas em sua maioria fragilizadas pela falta de autonomia, pois muitas vezes são dependentes da política assistencialista praticada pelos gestores públicos como forma de alienação para mantê-las subservientes.
As organizações e movimentos que existem na região não tem correspondido aos anseios dos camponeses nestas comunidades. O movimento sindical está mais envolvido nas questões previdenciárias do que na organização dos trabalhadores rurais e, os movimentos de luta pela terra como o CETA (Movimento dos Trabalhadores Assentados e Acampados), deixaram de atuar nestas comunidades. Entretanto, percebe-se que há um desejo e uma compreensão por parte de muitos camponeses sobre a importância de estarem organizados para a conquista dos direitos e a luta permanente pela melhoria de vida. Mas lhes faltam iniciativa e mesmo entidades que possam ajudá-los neste objetivo.
Com isso, eles percebem a diferença das comunidades que em outro contexto social se organizaram para enfrentarem situações parecidas, conseguindo com muita luta e resistência em enfrentar muitos desafios.
O diagnóstico possibilitou uma compreensão da realidade das comunidades visitadas. Falta assistência por parte dos órgãos governamentais e não governamentais sofrimento pela perda da terra, ausência e saudade de filhos e parentes que migram para outras cidades, angústia pela falta de assistência à saúde e uma educação aquém ao contexto social e cultural. Neste sentido, são fatores que contribuem e favorecem a desmotivação para lutar contra o que chamam de “os grandes”; ou seja, os detentores do poder e do capital. Essa constatação pode ser analisada nas palavras de Foucault quando diz:

A população aparece, portanto, mais como fim e instrumento do governo que como força do soberano; a população aparece como sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como objeto nas mãos do governo; como consciente, frente ao governo daquilo que ela quer e inconsciente em relação aquilo que se quer que ela faça. (2008, p.289,)

Neste sentido, existem famílias que não conseguem compreender os prejuízos do Projeto Baixio de Irecê e acreditam no discurso da CODEVASF (da promoção de milhões de empregos e desenvolvimento da região). No entanto, há muitas famílias que já demonstram indignação com a construção do canal, pois até então a CODEVASF não realizou nenhuma reunião para explicar como as famílias destas comunidades serão incluídas neste projeto, principalmente por já existir um processo de leilão das áreas de terras para as grandes empresas começarem a irrigar e desse modo passam a desmistificar a lógica deste desenvolvimento, como relata o Jornal O Globo e D. Maria, moradora da comunidade Muritiba:

(...) e deve ser licitado ainda este ano no âmbito das Parcerias Público Privadas. Entre os cotados para ganhar o leilão está o consórcio formado pela Codeverde – que tem como sócio majoritário o grupo Odebrecht e o bilionário fundo soberano da Líbia, o Libian Arab Foreign Company (Lafico)... Na comunidade vizinha, Boa Vista, é fácil encontrar pessoas contrárias ao empreendimento. (2011, p.1-2)

Já moro aqui há mais de 40 anos, aqui viveu meus avós e meus pais, porque vou ter que sair daqui? Eles é que são intrusos, aqui é meu lugar, daqui não vou sair.


Para Bobbio, (1992) os principais direitos do homem são históricos, por terem sido conquistados no decorrer dos tempos, não de uma só vez, mas a partir da necessidade de cada momento, marcados por lutas em favor da qualidade de vida e principalmente quando a liberdade do homem é ameaçada pela dominação dos que detêm o poder. Neste sentido, os direitos sociais se tornaram indispensáveis para a vida dos camponeses.
Diante disso, os camponeses das comunidades do Baixio de Irecê, ao mesmo tempo em que sonham com a mudança desta realidade, sentem-se impossibilitados por falta de motivação e articulação de forças que possibilite mudanças mais significativas.
Será necessário que os camponeses das comunidades que serão atingidas com a construção do empreendimento, desenvolvam uma articulação de parcerias com entidades, organizações populares e movimentos sociais que possam ajudar na conscientização dos direitos, formação política, intercâmbio com outras comunidades para troca de experiências, na perspectiva da compreensão para transformação da realidade, através da luta pela permanência na terra e estabelecimento dos direitos sociais?

CONCLUSÃO

O trabalho possibilitou a compreensão do discurso ideológico da Estatal gestora do Projeto Baixio de Irecê, que pretende promover desenvolvimento econômico e social. No entanto, não há uma compreensão evidente por parte das famílias e nem dos pesquisadores como se dará esse desenvolvimento naquelas comunidades, uma vez que existe um processo de licitação para as empresas começarem a desenvolver o perímetro irrigado das terras; os camponeses da região que seria os principais favorecidos de acordo o discurso da CODEVASF que é: aumentar a renda das famílias do campo e fixar o homem a (sic) terra, estes camponeses não estão inseridos como principais sujeitos deste desenvolvimento. (cf. Projeto Baixio de Irecê. Cartilha Informativa, 1999, p.03)
Espera-se, que este trabalho, possa provocar outras reflexões e debates sobre a divergência discursiva entre o que diz a Estatal e as famílias camponesas das comunidades visitadas.

REFERÊNCIAS:


BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia. O discurso competente e outras falas. 12. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.
Desenvolvimento acelerado para poucos. Projeto de Irrigação Baixio de Irecê na Bacia do São Francisco expulsa pequenos agricultores. Carta assinada pelas dioceses de Barra, Irecê, Bom Jesus da Lapa, Barreiras e a Comissão Pastoral da Terra - BA (2008).

FOUCALT, Michel. Microfísica do Poder. MACHADO, Roberto (org. trad.). Rio de Janeiro: Edições Graal, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. O discurso no domínio da linguagem e da história. NAVARRO, Pedro, (org.). São Carlos, Ed. Claraluz, 2008. P. 9-20.

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